As batalhas pela simplificação tributária

07/11/2011 22:58

 

A funcionalidade e a diversidade da natureza,tão fascinantes quanto quase imperscrutáveis,estão associadas à existência de uma estrutura complexa,em que as partes estão em contínuo processo de interação. Ante a desproporcional limitação da inteligência humana,sua compreensão requer a construção de modelos que simplifiquem a realidade,para compreendê-la e com ela interagir,a despeito dos riscos de uma modelação simplista,desapegada da realidade e muitas vezes fundada em apriorismos filosóficos ou religiosos.

À medida que prospera o processo civilizatório,as relações sociais,em sentido lato,tendem à complexidade,ainda que em escala infinitamente menor se cotejada com os sistemas naturais.

O elogio à genialidade de Steve Jobs ressaltou sua obsessão com a simplicidade criativa. O primeiro folheto propagandístico da Apple proclamava,acolhendo célebre frase de Leonardo da Vinci,que “a simplicidade é a sofisticação máxima”. Acrescentou Jobs:“O simples pode ser mais difícil que o complexo. Você tem de trabalhar muito para chegar a um pensamento claro e fazer o simples”.

Sistemas tributários correspondem a intervenções do Estado –em tese meritórias –nas relações sociais,daí porque se vocacionam para a complexidade,quando acriticamente se limitam a replicar,no âmbito do seu objeto,relações sociais mais elaboradas.

A complexidade tributária é custosa,ineficiente,controversa e produz as trevas nas quais deambulam o burocratismo,que não raro inclui a corrupção administrativa,e as diversas modalidades de alquimia tributária,ao gosto da sonegação e da elisão fiscal.

A iniquidade dos sistemas complexos foi denunciada por eminentes tributaristas contemporâneos,a exemplo de Klaus Tipke,Casalta Nabais,Richard Musgrave e Vito Tanzi. Há uma convicção generalizada de que a demanda por simplificação se tornou universal e de que o caos tributário não é propriedade de nenhum país.

A reforma tributária de 1965 foi um extraordinário exercício de simplificação,ao reparar –ao menos parcialmente –as imperfeições na tributação do consumo,centralizar na União os tributos sobre o comércio exterior e codificar a matéria tributária,sem descurar de melhorias na administração fiscal.

Outro exemplo de iniciativa simplificadora foi a reforma do Imposto de Renda,empreendida na segunda metade dos anos 90.

A eliminação da correção monetária,para fins fiscais,expurgou uma aberração que tornava a legislação do Imposto de Renda brasileiro,além de complexa,extremamente injusta,porque premiava as grandes empresas,em escala progressiva,com a aceleração do processo inflacionário.

A efetivação do lucro presumido,pela elevação dos limites de faturamento para opção dos contribuintes e isenção na distribuição dos resultados,elidindo uma virtual bitributação,produziu,singularmente,aumento de opções e de arrecadação,constituindo uma solução que conciliou interesses do Fisco e dos contribuintes.

A instituição do Simples,em 1996,representou a mais significativa onda de formalização de micro e pequenas empresas no Brasil,a despeito de todas as deploráveis restrições burocráticas à constituição e baixa de empresas,que ainda hoje perduram. Motivou,inclusive,a adoção de modelos análogos estaduais,como o Simples Paulista e o Simples Candango.

O esforço simplificador,contudo,enfrenta obstáculos sucessivos. Muitas vezes,o Fisco parece abominar a simplicidade. O contribuinte é visto,nessa hipótese,como adversário. Quanto mais complexa e obscura a legislação,maior a dependência à interpretação da administração fiscal,fazendo sobressair a força corporativa.

Desse modo,de tempos em tempos ressurge a demanda por indexação de tabelas de impostos,esquecendo que esse instituto foi um dos principais responsáveis pela inflação,que infelicitou o Brasil por um longo período.

Desde 2002 não se revê o limite de opção do lucro presumido. Argumenta-se com virtual perda de arrecadação,o que não corresponde à verdade. Nenhuma vez em que houve elevação desse limite ocorreu diminuição de receitas.

No Congresso Nacional tramitam projetos que pretendem estabelecer novos limites,entre eles um de autoria do hoje vice-presidente Michel Temer. Os parlamentares não devem demitir de si a discussão da matéria.

Foi boa a intenção de unificar,no âmbito federativo,os diferentes regimes simplificados de tributação das micro e pequenas empresas,com a criação do Simples Nacional.

Aos méritos da instituição do Microempreendedor Individual e da elevação dos limites máximos de receita bruta para enquadramento no regime se contrapõem a completa inépcia em relação à simplificação dos procedimentos de inscrição e baixa de optantes,a desconcertante e contraditória complexidade na apuração do imposto devido e a profusão de normas emanadas pelo comitê gestor.

A simplificação precisa se inscrever na agenda tributária brasileira em caráter permanente. Não se pode esquecer de que a complexidade é oportunista e de difícil erradicação.

O Estado de S. Paulo